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Tentativas de suicídios: cabo denuncia assédio moral por superior na PM em Rondonópolis

Por Olhar Direto

Ilustrativa

Quando começou a pandemia, a cabo Vitória* não imaginava que seria perseguida, presa e que chegaria ao ápice do esgotamento profissional, com diagnóstico de Síndrome de Burnout. A militar, de 37 anos, se tornou alvo de assédio moral após pedir para trabalhar no período vespertino para que pudesse cuidar das filhas, já que as escolas estavam fechadas. Segundo os relatos dela, foram mais de dois anos na mira do então comandante da Força Tática de Rondonópolis, tenente-coronel Gebler Moreno Cândido e do sub-comandante major Heryk Henryk de Deus Pereira. 

A cabo formalizou denúncia em boletim de ocorrência na Delegacia Especializada de Defesa da Mulher (DEDM) de Rondonópolis e pediu proteção para ela a familiares à Associação em Defesa e Garantia dos Direitos das Mulheres do Estado, após relatar os episódios de assédio moral em um documento de nove páginas. Cândido disse à reportagem que tem conhecimento das denúncias que, segundo ele, são apócrifas, falsas caluniosas, com objetivo de manchar a imagem dele.

Além da cabo Vitória, informações obtidas por Olhar Direto dão conta que outros policiais subordinados a Cândido também teriam sido ameaçados, coagidos e intimidados. Há relatos de tentativas de suicídio por conta da pressão e medo causados pelos abusos cometidos pelo tenente-coronel. Policiais femininas estariam doentes, com medo e sem condições psicológicas de relatar os abusos.

Entre outras ações abusivas, Cândido teria costume de usar a prisão de Vitória para intimidar a tropa. “Tem gente que achou que seria promovida, mas não foi. Quando eu quero ajudar eu ajudo, mas quando quero prejudicar eu também consigo”, dizia, segundo os relatos.

Afirmava também que se tornaria coronel fechado (se referindo a subir a patente e deixar de ser tenente-coronel), que teria boa memória e que não esqueceria de nada que os subordinados faziam. 

O tenente-coronel passou nove anos à frente da 14ª Companhia Independente de Força Tática e deixou o cargo no último dia 10 para ficar no comando do 5º Batalhão, também sediado em Rondonópolis. 

Sobre a mudança de comando, Cândido afirmou que o motivo seria o acúmulo de funções. 
O tenente-coronel estaria a frente do 5º Batalhão e da Força Tática, mas agora comanda apenas no 5º Batalhão.

Pandemia e o começo do assédio moral

Em janeiro de 2020, ainda quando atuava no Ciosp, Vitória conversou com um tenente-coronel sobre a possibilidade de mudar de local de trabalho por conta do curso que fazia a noite.

O tenente-coronel ofereceu a oportunidade de Vitória trabalhar na Ronda Escolar, pois segundo ele, a maioria dos militares não gostava de atuar nesta área. Vitória trabalharia todos os dias, de manhã ou à tarde, podendo folgar aos finais de semana.

Vitória trabalhou durante todo mês de fevereiro e em março gozou de férias que já estavam programadas. Quando retornou ao trabalho, a Covid-19 já havia se espalhado pelo mundo e as escolas, creches e berçários estavam todas com atividades suspensas.

Cândido, o então comandante da Força Tática e do  5º Batalhão criou uma força-tarefa com as equipes que atuavam na Ronda Escolar para reforçar policiamento e fiscalização dos decretos estaduais e municipais relacionados ao coronavírus.

Vitória passou dias trabalhando no período da manhã e outros no período da tarde. As mudanças de horários e locais eram frequentes. Para cuidar das filhas de cinco anos e um ano e cinco meses, respectivamente, Vitória pediu ao comandante responsável pelas escalas, major de Deus, para atuar apenas no período vespertino.

Na época, a mãe de Vitória trabalhava em uma banca de verduras na parte da manhã e só conseguia cuidar das netas durante a tarde. Não havia, também, condições de pagar babá em tempo integral para cuidar das crianças. O marido da policial trabalhava em área rural e só retornava para casa aos finais de semana. Mesmo na pandemia, as atividades continuaram.

Logo que relatou o caso ao subcomandante Heryk Henryk de Deus Pereira, Vitória alega que percebeu a perseguição. Foram meses fazendo um verdadeiro malabarismo para conseguir dar conta de tudo e não faltar ao trabalho. Ela diz não sabia em qual horário e dia que iria trabalhar, nem quando iria ter folga. Foram poucos finais de semana livres por vários meses.  

Sem ninguém para cuidar das filhas, a cabo se viu obrigada a levar as filhas para o trabalho, sendo dispensada por uma superior. Posteriormente, major De Deus questionou se ela “não tinha nenhuma vizinha para cuidar”. Vitória não tinha.

Em novembro, Vitória precisou ser submetida a uma cirurgia oftalmológica no olho esquerdo que não podia mais adiar. Foram 30 dias afastada das funções e por conta de um afinamento na córnea, que é raro de acontecer, precisou de mais 30 dias.

A policial não podia dirigir, abaixar a cabeça e nem ser submetida a claridade nem poeira por risco de rompimento da córnea e perda de visão. Quando foi entregar o atestado, o major teria dado risada e dito à policial: “Hum… É raro, mas aconteceu com você?”.

Foram 60 dias fazendo uso de antibióticos para correção do afinamento da córnea. O médico garantiu que só liberaria Vitória quando o olho estivesse 100% seguro.

2021

O ano virou e nada mudou. “Nunca tive preguiça de trabalhar, porém essa inconstância estava prejudicando minha vida pessoal, meu casamento, minha saúde e até meus estudos”, relata no documento enviado à Associação.

Por determinação de Cândido, Vitória passou a integrar a Patrulha Rural e deveria fazer o cadastramento de fazendas e sítios. Novamente, a policial pediu para que fosse escalada para o mesmo horário, pois as creches e escolas ainda não estavam abertas.  Do comandante ela só ouviu que “não poderia garantir nada, que a escala era dinâmica”.

Com a retomada das atividades escolares em meados de julho de 2021, as crianças voltaram a estudar. Mas o assédio moral no trabalho teria continuado e as mudanças de horários também. “Eu não tenho problema quanto ao horário, o que eu precisava era estabelecer uma rotina para trabalhar com tranquilidade e viver a minha vida com a minha família em paz. Meu casamento foi desgastando ainda mais”.

Em agosto, Cândido encaminhou Vitória para o serviço operacional na Cia Operária. A cabo diz que se adaptou ao local mesmo com as alegadas condições precárias. Na época, os 30 policiais lotados na unidade faziam as necessidades básicas no mato, pois não havia banheiro, segundo o relato. Em setembro, Vitória passou a fazer acompanhamento com uma psicóloga.

“Ela está de férias”

Já em novembro todos os militares da Cia Operária foram convidados para receber uma moção de aplausos na Câmara dos Vereadores. No entanto, Vitória não foi incluída. Um soldado que estava há uma semana na Cia chegou a ser homenageado.

Durante a moção de aplausos, uma vereadora questionou se não havia nenhuma mulher na unidade. O comandante, então, disse que havia apenas uma, mas que ela estaria de férias. O que não era verdade. Vitória teve o nome retirado da lista.

Vitória já estava adaptada com a rotina e escala de trabalho, mas só continuou na Cia Operária até o começo de 2022. Cândido determinava que todos os subordinados se apresentassem diariamente às 7h para tirar foto, enviar para imprensa e conseguir espaço na mídia, de acordo com o relato. Diariamente, ele mandava as fotografias em um grupo com a imprensa. Após a foto, eles retornavam para casa e voltavam novamente ao Batalhão no horário previsto para começo do turno.

Constrangimento no TAF

Quando Vitória iniciou Teste de Aptidão Física (TAF) para se tornar sargento, Cândido passou a acompanhá-la, mesmo não fazendo parte da equipe de inspeção. Minutos antes do teste de barra fixa, Cândido teria chamado Vitória para fazer questionamentos sobre o trabalho dela. Houve uma conversa breve sobre o fato dela ter saído do Ciosp.

Durante os dois dias de TAF, Cândido teria ‘ficado em cima’ das policiais femininas. O relato é de que ele torcia para que elas errassem os exercícios exigidos. “Foi muito constrangedor, totalmente desnecessária a presença dele durante todo o TAF. Algumas tiveram muita dificuldade de terminar os exercícios devida tamanha coação”.

Viagem

Vitória foi escalada para viajar com mais dois policiais até Cuiabá, onde deveria buscar coturnos para a tropa. Ela, que também é motorista de ônibus e carreta, diz ter orgulho de poder servir de várias maneiras. Porém, as despesas foram divididas entre os próprios militares, pois os comandantes não solicitaram pagamento das diárias. Ele deveria ser realizado por Cândido ou por major de Deus.

Nova transferência e prisão

Em julho, Vitória já estava novamente na Ronda Escolar, mas as ‘brincadeiras’ continuaram. Desta vez, uma colega de farda também passou a ser alvo das trocas constantes. No mesmo mês, Cândido transferiu Vitória para a Cia Aurora. Apesar de ter cumprido todas as escalas, a policial já não aguentava mais as perseguições.

No dia dois de agosto, Vitória foi conversar com major de Deus sobre as mudanças nas escalas. Um sargento estava na sala e o major pediu que ele saísse. O major disse a cabo que não teria feito filho com ela e que ela devesse resolver os problemas pessoais.

Ao sair da sala, Vitória foi até a caixa de areia e descarregou o revólver ali. Segundos depois, major de Deus prendeu a mulher. Da unidade policial, Vitória não saiu de viatura. Ela estava com tremedeira intensa, pressão de 17×10 e precisou ser socorrida pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).  

Vitória passou a noite medicada no hospital e no dia seguinte passou por consulta com uma psiquiatra. O diagnóstico da médica foi Síndrome de Burnout, também confirmado no Instituto Médico Legal (IML), quando foi fazer exame de corpo de delito. A principal característica da doença é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes.

Em audiência de custódia, a militar teve liberdade concedida e assinou um acordo de não persecução penal por conta da carreira ilibada, inclusive com muitos elogios adquiridos ao longo de 14 anos como policial militar. “Vou pagar a Justiça três salários mínimos por ter efetuado sete disparos na caixa de areia”.

Trabalhando para políticos

Poucos dias depois, a cabo foi surpreendida pelo Comandante de Policiamento Urbano com a informação de que estaria trabalhando para políticos por ter deixado a filha pegar uma bandeira do Bolsonaro quando o governador Mauro Mendes passava pela cidade. O CPU disse que tinha provas da denúncia.

A mulher estava afastada do trabalho e realizava compras no centro juntamente com as duas filhas, quando viu a distribuição das bandeiras e uma das meninas pediu para pegar. Log depois, elas foram embora para almoçar.

Removida da promoção

No dia primeiro de setembro, Vitória soube que seu nome havia sido retirado da lista de militares que seriam promovidos mesmo cumprindo todos os requisitos necessários. A justificativa era de que ela havia sido presa. Mais uma vez Vitória precisou ser hospitalizada por conta de uma crise de diarreia e desde então não consegue dormir e já perdeu muito peso.

No dia da prisão, Vitória procurou ajuda da Associação da Família Miliciana da Região Sul de Mato Grosso (Afamirs), que intermediu uma conversa com o coronel Fernando Agostinho. Logo depois, outros policiais começaram a procurar o comandante também para relatar situações parecidas.

O policial que teria feito a denúncia de que ela estaria trabalhando para políticos pediu desculpas e disse que a informação era inverídica. Candido teria tirado a foto e determinado que o coronel fizesse a denúncia pois ele queria punir a cabo futuramente.

Com a denúncia ao comandante do Comando Regional, Vitória disse que passou a ser seguida por um carro branco e percebeu em duas situações, uma quando ia para faculdade e outra quando estava em serviço. O veículo sempre ocupado por dois homens pardos, nem magros e nem gordos.

Tentativas de suicídios

Por conta das denúncias que chegaram ao coronel Fernando, algumas policiais femininas foram intimadas a serem ouvidas. Três foram convocadas, mas com medo, nenhuma delas compareceu. Duas dessas policiais já tentaram suicídio e chegaram à beira da morte. A primeira tentativa foi registrada ano passado e a segunda recentemente.
 
Outro lado

Procurado, Cândido disse que tem conhecimento das denúncias que, segundo ele, são apócrifas, falsas caluniosas, com objetivo de manchar a imagem dele. “Um procedimento administrativo ainda está em trâmite, mas que ao final quando ficar provado que são denúncias caluniosas, iremos mover uma ação administrativa, civil e criminal contra os responsáveis por estas falsas denunciais, que só tem por objetivo manchar minha imagem e prejudicar o meu comando”, disse.

“No procedimento administrativo que foi instaurado só resta ouvir a denunciante para encerrar, mas a mesma encontra-se afastada e por conta disso ainda não se encerrou. Estou extremamente tranquilo e sereno por ter certeza de que não aconteceu nada do que foi denunciado”.

“Está denunciante em especial extrapolou todos os limites do bom senso e da razão ao produzir uma denúncia neste contexto. Perceba que não tem nomes de supostos policiais que estão com problemas e desde que comando o 5º BPM, nunca houve se quer registro de tentativa de suicídio de nenhum policial militar”, afirmou.

Já major de Deus preferiu não se posicionar. 

Reportagem do Olhar Direto entrou em contato com a assessoria de imprensa e questionou se a mudança de cargo de Cândido tem alguma relação com as denúncias; questionou também como podem ser feitas as denúncias dos casos de assédio moral quando o autor é o próprio comandante; e por fim, perguntou qual medida a instituição toma diante de casos como esses.

Nenhuma das perguntas foi respondida. Assessoria apenas informou que que tomou conhecimento das denúncias e instaurou processo administrativo para averiguar o caso.

* Vitória é nome fictício para preservar a denunciante 

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