Empreiteiras envolvidas no cartel descoberto pela Operação Lava Jato decidiram desafiar as multas acordadas nos acordos de leniência com a União, com a aprovação do atual ocupante da presidência Lula – a estratégia começou em janeiro, após a posse do presidente empossado Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essas empresas, que juntas acumulam dívidas que ultrapassam os 7 bilhões de reais, agora buscam uma “revisão” nas condições de pagamento, visando não desembolsar um centavo adicional ao governo. A informação foi dada pelo jornal O Bastidor.
O acordo de leniência pode ser definido da seguinte forma: é uma ferramenta para a luta contra a corrupção, já que estimula as empresas a colaborarem com as investigações e a adotarem medidas de integridade para evitar a ocorrência de novos atos prejudiciais. As empresas se propõem a romper com o envolvimento com a prática ilícita e adotar uma medida para manter suas atividades. No Brasil, o acordo de leniência já foi aplicado em diversos casos de corrupção, como o caso da Operação Lava Jato, em que a empresa Odebrecht fechou um acordo de leniência e pagou uma multa de R$ 6,8 bilhões.
Segundo fontes familiarizadas com as negociações, o objetivo estratégico das empresas é claro: resistir a qualquer custo ao pagamento adicional ao erário. De acordo com informações obtidas pelo Bastidor, seis construtoras estão em débito com as parcelas dos acordos de leniência:
- OAS;
- Nova Participações (ex-Engevix);
- Camargo Corrêa;
- Andrade Gutierrez;
- Novonor (ex-Odebrecht) e
- UTC.
Dessas, quatro – Camargo, Engevix, OAS e Odebrecht – formalizaram junto ao governo Lula a solicitação de revisão de seus acordos, imediatamente após interromperem ou comunicarem a interrupção dos pagamentos. De maneira geral, as empreiteiras efetuaram pagamentos relativamente modestos até o momento, especialmente aquelas que recentemente solicitaram a revisão dos acordos – diferentemente da Odebrecht, como citamos:
- OAS: cuja dívida totalizava 1,9 bilhão, quitou apenas 4 milhões;
- Andrade Gutierrez: com um débito de 1,4 bilhão, realizou pagamentos no montante de 429 milhões;
- Camargo Corrêa: com uma dívida de 1,3 bilhão, efetuou pagamentos no valor de 477 milhões;
- UTC: apenas 39 milhões dos 574 milhões de dívidas foram quitados;
- Engevix: com uma dívida de 516 milhões, pagou apenas 6 milhões.
Esses números revelam uma disparidade significativa entre os valores devidos e os efetivamente pagos até o momento pelas empreiteiras envolvidas nos acordos de leniência.
Quem protagonizou a estratégia pós-posse de Lula foi a Construtora Camargo Corrêa. Em seguida, em abril, a Engevix seguiu a mesma trilha, informando à Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a interrupção dos pagamentos dez dias antes do vencimento da parcela correspondente. Em setembro, a Construtora OAS tomou a mesma decisão, seguida, no mês subsequente, pela Odebrecht. Dois articuladores vinculados às empreiteiras afirmam que a iniciativa ocorreu justamente pela eleição do petista – seria uma estratégia alinhada com a liderança governamental?
Ao que tudo indica, a estratégia arquitetada pelas empreiteiras visa adiar o desfecho dos processos até que o sistema judiciário aponte potenciais vícios ou nulidades nos acordos. Criando essa brecha, será permitido à CGU e à Advocacia-Geral da União (AGU) a aprovação de revisões, que, na prática, se configurariam como “anistias”. Sendo assim, o impasse entre as empreiteiras e o governo também coloca em xeque a eficácia dos acordos de leniência, evidenciando uma tensão crescente entre os interesses das empresas e a busca por ressarcimento por parte da União.
Os acordos foram formalizados entre os anos de 2017 e 2019 com a CGU. O papel de cada órgão pode ser explicado da seguinte maneira: a CGU é encarregada da supervisão do cumprimento das cláusulas, tanto no que diz respeito ao pagamento das multas quanto aos compromissos relacionados aos programas de integridade. Já a AGU atua em conjunto, oferecendo suporte à CGU em suas responsabilidades. Ambos estão subordinados à Presidência da República.
Em 2020, a Construtora Andrade Gutierrez já havia solicitado essa “repactuação” de seus termos, já que no ano anterior passou por inadimplência. Por outro lado, a UTC encontra-se com seu acordo ainda em fase de análise, após anos de descumprimento. Justamente por isso a UTC é a única entre as empreiteiras que ainda não formalizou um pedido de revisão. Já que ainda estão em negociação, nenhuma das empreiteiras enfrentou sanções diretas pelo descumprimento dos acordos. Isso parece um problema para o conjunto da medida: o movimento coordenado de solicitações – um tipo de estratégia – fortalece a posição de todas as empresas envolvidas nas negociações, embora as tratativas oficiais ocorram de forma individualizada.
Em resposta a questionamentos, tanto a CGU quanto a AGU confirmaram que as empresas, excluindo a UTC, “apresentaram individualmente pedidos de repactuação da forma de pagamento, seja pela dilação de seu prazo ou pela compensação dos débitos mediante apresentação de precatórios ou o uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal“. Contudo, CGU e AGU asseguram que não está em discussão a redução dos valores devidos, mas sim os prazos e as formas de pagamento.
Essa afirmação, segundo o Bastidor, pode ser considerada uma “meia verdade”: Conforme os acordos voluntariamente firmados pelas empreiteiras, estas se comprometeram a quitar as multas em dinheiro ao longo de décadas. Se o governo permitir que as construtoras modifiquem o método de pagamento, substituindo o dinheiro pelo uso de precatórios e outros instrumentos, fica evidente que as empresas poderão desembolsar quantias menores, resultando em menor recebimento pelo governo.
Pedindo socorro, as construtoras justificam que os débitos tornaram-se “praticamente impossíveis” de serem quitados devido, já que o mercado, segundo elas, mal se adaptou em resposta à pandemia de covid-19 e à instabilidade global decorrente de conflitos. Um advogado representante das empresas afirmou ao jornal: “Não há obras disponíveis para essas empresas, e as dificuldades de pagamento são notórias. O mercado não conseguiu se recuperar.” Outro advogado ofereceu detalhes sobre a estratégia para modificar os termos dos acordos, incluindo a possibilidade de recorrer ao sistema judicial em busca de descontos etc.
Procurada pelo Bastidor, a nova Odebrecht disse que “segue comprometida com o cumprimento das obrigações assumidas no acordo de leniência, mantendo um diálogo transparente com as autoridades competentes. Da mesma sorte, não comenta informações vinculadas fora dessa esfera.” A Andrade respondeu que não comentaria, a Nova disse que “tem cumprido estritamente o contrato firmado” e as demais não retornaram o contato.