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Áudio de Lula sobre Palocci é verdadeiro, aponta laudo; “Ninguém teve a competência e a coragem de acabar com esse cara”

Por Brasil Sem Medo

Um laudo técnico-científico obtido com exclusividade pelo BSMdemonstra a autenticidade de um áudio em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comenta as denúncias do ex-ministro Antônio Palocci durante a exibição de uma reportagem no Jornal Nacional em 7 de setembro de 2017. A gravação de 3min23s, que circula pelas redes sociais, havia sido considerada falsa pela agência Comprova em julho deste ano. Segundo a conclusão dos checadores, amplamente divulgada pela mídia, a voz na gravação era de um imitador de Lula. No entanto, o laudo assinado em agosto de 2022 pela perita criminal federal aposentada Nerci Lino de Almeida Tonaco, com 20 anos de experiência em perícias de som, demonstra que o áudio é verdadeiro – e que a voz é de Lula.

 



A análise pericial começa por refutar a informação de que a gravação foi feita por grampo telefônico autorizado pela Justiça. Segundo o laudo, a voz foi captada por um equipamento de gravação ambiental, provavelmente colocado em uma das extremidades da linha telefônica utilizada por Lula. As vozes e sons que se ouvem ao fundo correspondem à matéria do JN veiculada em 7 de setembro de 2017. O vídeo e a transcrição da matéria podem ser vistos aqui.

O áudio analisado na perícia circulou nas redes sociais juntamente com uma edição de dois vídeos. Um deles mostrava o ex-presidente Lula perguntando durante um podcast: “O que é que foi que eu roubei?” O segundo era um trecho do depoimento de Antonio Palloci à Lava Jato, em que o ex-ministro acusava Lula de diversos atos de corrupção. A divulgação simultânea dos três conteúdos acabou gerando interpretações errôneas de que o áudio de 3min23s teria sido editado. O laudo desfaz essa confusão.

Para avaliar a autenticidade das falas atribuídas a Lula no áudio, a perita Nerci Lino utilizou 37 gravações de Lula (grampos da Lava Jato, entrevistas à imprensa, depoimentos a Sergio Moro, conversas com Dilma Rousseff, Jacques Wagner, Rui Falcão, Lindbergh Farias, Eduardo Paes e outras pessoas). Com isso, ela fez uma meticulosa comparação entre as gravações de conhecimento público e o áudio questionado.

Nos 3min23s da gravação, o suposto Lula conversa com um interlocutor desconhecido. Ao fundo, ouve-se o som de uma TV ligada. Veja a transcrição das falas:

Alô! Pode falar! Como é que tu queria que eu tivesse?

(…)

Eu falei… inclusive pra ti… que um dia… mais dia, menos dia… ele é… ia abrir a boca.
(…)

– Eu tô vendo ele aqui agora, no Jornal Nacional.

(…)

– Falou tudo que tinha que falar! Lascou comigo… lascou ainda mais com a Dilma! Falou do apartamento… falou… do sítio, tá falando de tudo!

(…)

– Ninguém teve coragem de fazer o que tinha de ser feito com esse cara. Ele ficou preso em Curitiba… Tá preso em Curitiba há mais de um ano. Ninguém teve a competência e a coragem de acabar com esse cara, agora taí… o Joesley, vai ser pior!

(…)

– Por que que vai se pior? Agora ele já começou a cantar. Vai cantar mais…

(…)

– O Supremo tá querendo acabar com os benefício dele, ele vai ser preso aqui e nós vamos nos lascar!

(…)

– Ó lá! Tá falando lá! Abrindo a boca!

(…)

– Não adianta, meu querido, agora não adianta mais nada!

(…)

– Tu diz pra ele pegar o apoio dele, esse vagabundo, e enfiar no cu dele! Enfia no cu! Ah, ele que enfie no cu essa porra… desse caralho…. dessa… desse contato que ele tem.

(…)

 – Quando a gente precisou dele, ele não se meteu.

(…)

– Agora, que tá feita a merda, ele vem querer fazer rapapé?

(…)

– Por que que ele não foi comigo? Por… por que que ele não foi comigo, semana passada, na Bahia?

(…)

– Por que que ele não foi comigo na Paulista?

(…)

– Porque é um baita dum filha da puta!

(…)

– Ladrão, sem-vergonha… é só o que ouvi! Ladrão, sem vergonha…

(…)

– Não teve um trabalho de marketing! Não teve ninguém pra me ajudar!

(…)

– Ó aí, ó! Tu tá ouvindo? Cada vez… ca… merda! Agora tão falando… da minha defesa… que o Palocci tá sob pressão! Não adianta tá dizendo isso agora!

(…)

– Tá falando do… Emílio Odebrecht, o tal do… depoimento dele… É outro filho da puta, desgraçado!

(…)

– É um porra do caralho!

(…)

– Eu vou dar um telefonema pra… pra figura amanhã.

(…)

– Ah, vamo tudo la… lascado! Se fudemo tudo, que que tu a… que que tu acha?

(…)

– Tá bom.

(…)

– Eu vou ver, meu querido, o que que eu posso fazer! Agora não adianta mais nada, tá?

(…)

– Té mais!

(…)

– Vamos ver, eu não tenho condição agora! Não tenho condição agora! Eu tô cercado! Eu não tenho como…

(…)

– Tá?

(…)

– Eu tô aqui… tô… tô…

(…)

– …dentro desse apartamento, cercado! Eu num posso… Eu não posso sair nem do prédio!

(…)

– Tá? Eu vou ver o que eu faço, tá bom?

(…)

– Tá bom!

(…)

– É muita pressão! Muita pressão!

(…)

– Tá… tá bom! Tchau pra ti. Boa noite!

As análises da gravação foram feitas inicialmente para avaliar se o conteúdo da gravação obedecia aos processos normais de articulação da fala, tais como coarticulação, ajuste temporal, prosódia e ritmo. Do ponto de vista físico-acústico, a perícia estudou os registros de áudio por meio da verificação de sua forma de onda (oscilograma), dos espectros de frequências e dos espectrogramas (gráficos em que a frequência da voz é representada no eixo vertical; o tempo, no eixo horizontal e a intensidade pelas diferenças de gradação da voz). Com base nessa varredura da gravação, o laudo aponta que “não foram encontrados indícios de eventos de interrupção, corte, superposição, deslocamento, emenda ou edição – em suma, não foram encontrados eventos indicativos de edição de caráter fraudulento”.

Ao comparar o áudio questionado com as 37 falas de Lula, a perícia buscou comprovar ou refutar a hipótese de que a voz é de Lula ou de um imitador. Nesse trabalho, há uma combinação entre as análises perceptivo-auditiva e acústica. “Em ambas as análises são considerados os parâmetros técnico físico-comparativos relacionados à anatomofisiologia do aparelho fonador, à condição neurocognitiva e ao comportamento linguístico do falante”, diz o laudo.

Utilizando esses parâmetros, há nove níveis de avaliação do conteúdo gravado. Tomando-se uma hipótese – A voz é de Lula – são possíveis os seguintes resultados:

+4: o resultado suporta muito fortemente a hipótese;
+3: o resultado suporta fortemente a hipótese;
+2: o resultado suporta moderadamente a hipótese;
+1: o resultado suporta levemente a hipótese;
0: o resultado nem suporta nem se contrapõe à hipótese;
-1: o resultado contrapõe-se levemente à hipótese;
-2: o resultado contrapõe-se moderadamente à hipótese
-3: o resultado contrapõe-se fortemente à hipótese
-4: o resultado contrapõe-se muito fortemente à hipótese.

A conclusão da perícia é que se observou uma plena conformidade entre o áudio questionado e as 37 gravações da voz de Lula, em relação ao sexo (características vocais masculinas), à fase do ciclo de vida (características vocais compatíveis com adulto em processo de senescência), às maneiras de iniciar e pontuar a conversa telefônica, aos marcadores do discurso e às características sociolinguísticas da fala.

Um exemplo é a ocorrência constante de monotongação, haplologia e harmonização vocálica nas falas gravadas. Monotongação é a mudança fonética que ocorre quando um ditongo é pronunciado como vogal simples, como nos caos de falô (por falou), lascô(por lascou) e começô (por começou). Haplologia é o apagamento total de uma sílaba, como em falodapartamento (por falou do apartamento) e prisidendarepública (por Presidente da República). Harmonização vocálica é a mudança de uma ou duas vogais na mesma palavra, criando uma sensação de uniformidade, como em quiridu (por querido), pricisu (por preciso) e pididu (por pedido).

Do ponto de vista acústico, o laudo apontou uma variação de frequência semelhante, tanto no áudio questionado quanto nas outras gravações, naqueles momentos em que o locutor aparenta se aborrecer com o assunto tratado ou com o interlocutor. “Os registros que compõem o material questionado são permeados por vários trechos de fala com o pitch (sensação de som grave ou agudo) bem mais agudo, provavelmente devido ao fato de estas emissões apresentarem um discurso com fala alterada, de conotação irritadiça e que transmite agressividade”, diz o laudo.

Sobre o comportamento comunicativo, os materiais analisados apresentaram evidentes semelhanças de repertório verbal, notadamente com “uso de expressões chulas, como palavrões, gírias e/ou xingamentos”. Observe alguns exemplos:

 

Material questionado Material padrão
 

“Enfia no cu! Ah, ele que enfie no cu essa porra… desse caralho…”

“Tu diz pra ele pegar o apoio dele, esse vagabundo, e enfiar no cu dele!”

“Lascou comigo, lascou mais ainda com a Dilma!”

“E nós vamos nos lascar!”

“Agora, que tá feita a merda…”

“Porque é um baita dum filha da puta!”

“Ladrão, vergonha… é só o que eu ouvi!”

“É outro filho da puta, desgraçado!”

“É um porra do caralho!”

“Ah, tamo tudo la… lascado! Se fudemo tudo…”

 

 

“Eles que enfiem no cu…”

“E o cara falar: porra, eu tô condenado!”

“É um bando de filho da puta.”

“Lógico, porra!”

“Tomar no cu, porra!”

“Eu quero que se foda!”

“Do PAC, da puta que pariu!”

“É, mas a gente… a gente não sabe, porque é um bando de louco, caralho!”

“Olha, esse delegado tem que tomar no cu!”

“E aquele filho da puta daquele procurador…”

“Cadê as mulher… de grelo duro lá do nosso Partido, porra! Caralho!”

  

O laudo também destaca as manifestações hesitativas e repetições de palavras típicas do interlocutor, presentes em todos os materiais analisados. “A hesitação revela procedimentos adotados pelos falantes para resolverem problemas que surgem durante o processamento da fala. Sua característica básica é a presença de rupturas da fala”, afirma o laudo. E mostra exemplos:

 

Material questionado Material padrão
 

“Desse caralho… dessa… desse contato que ele tem.”

“Por… por que que ele não foi comigo…”

“Eu vou dar um telefonema pra… pra figura amanhã.”

“Ah, tamo tudo la… lascado!”

“Que que tu a… que que tu acha?”

“Eu tô aqui… tô… tô…”

“Eu não posso… eu não posso sair nem do prédio!”

 

“O que eu… é… essas perguntas todas…”

“Eu fui… eu fui na… na… na… na… no Nordeste…”

“Eu num tem… eu num tem… é… eu num tem… num foi inaugurado…”

“Eu num tô… eu num tô emocionado… quando eu tô… eu tô… eu tô…”

“Nós aprimoramos a lei da le… da… a… a… a… a lei da… da… da delação premiada.”

“Mas eu… eu… eu… deixa… deixa eu te falar… eu…”

  

Diante dessa quantidade notável de evidências, a perita Nerci Lino de Almeida Tonaco conclui:

“Embasada unicamente nos elementos de ordem técnica que revestem o presente laudo, considerados os graus de relevância (raridade) e de recorrência (frequência) dos achados a partir dos materiais analisados, tem a perita a consignar que o resultado obtido (evidência) ao final dos exames suporta muito fortemente a hipótese de que os registros de voz e fala presentes no material sonoro questionado tenham sido proferidos pelo mesmo locutor que produziu o material sonoro padrão – o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, correspondendo ao nível +4 na escala utilizada por este trabalho, cuja faixa varia de -4 a +4”.

Em outras palavras, a voz é de Lula.

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