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Entenda por que a varíola dos macacos tem afetado principalmente homossexuais e bissexuais

Doença pode atingir pessoas de qualquer orientação sexual; segundo a OMS, vírus pode primeiro ter se espalhado nessa população por causa de redes sexuais interconectadas

Desde de maio de 2022, casos de varíola dos macacos têm sido relatados em diversos países onde a doença não é endêmica. A maioria dos pacientes confirmados com histórico de viagens relatou passagens por países da Europa e da América do Norte, em vez da África Ocidental ou Central, onde o vírus é endêmico.

Pela primeira vez, um número expressivo de casos de surge simultaneamente em países não endêmicos em áreas geográficas muito distantes. De acordo com levantamento realizado, ao menos 64 países confirmaram casos da doença (veja o mapa abaixo).



No sábado (23), a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o atual surto constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional(ESPII). “Temos um surto que se espalhou rapidamente pelo mundo, por meio de novos modos de transmissão, sobre os quais entendemos muito pouco e que atendem aos critérios do Regulamento Sanitário Internacional”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom.

No Brasil, já foram confirmados mais de 800 casos da doença, de acordo com o Ministério da Saúde. Os casos foram registrados em São Paulo (595), no Rio de Janeiro (109), em Minas Gerais (42), no Distrito Federal (13), no Paraná (19), no Goiás (16), na Bahia (3), no Ceará (2), no Rio Grande do Sul (3), no Rio Grande do Norte (2), no Espírito Santo (2), em Pernambuco (3), em Mato Grosso do Sul (1) e em Santa Catarina (3).

A OMS afirma que a maior parte dos casos notificados foi identificada por meio de serviços de saúde sexual ou em unidades de saúde primária ou secundária, envolvendo principalmente, mas não exclusivamente, homens que fazem sexo com homens.

A terminologia “homens que fazem sexo com homens”, também chamada HSH, é uma classificação técnica adotada na área da saúde que inclui homossexuais, bissexuais e pessoas que não se identificam com alguma dessas orientações.

Desde o início do surto, médicos e cientistas de diversos países buscam respostas para explicar por que o vírus tem conseguido, pela primeira vez, se espalhar de forma significativa fora da África e por quais os motivos ele tem afetado principalmente os homens que fazem sexo com homens.

Entre as hipóteses discutidas pela comunidade científica está a possibilidade de o vírus ter entrado em circulação em redes sexuais interconectadas na comunidade HSH, de onde está se espalhando de maneira mais eficiente.

“Com base nos relatos de casos até o momento, esse surto está sendo transmitido por meio de redes sociais conectadas principalmente por meio de atividade sexual, envolvendo principalmente homens que fazem sexo com homens. Muitos – mas não todos os casos – relatam parceiros sexuais casuais ou múltiplos, às vezes associados a grandes eventos ou festas”, disse Hans Henri P. Kluge, diretor regional da OMS para a Europa.

O primeiro caso confirmado da doença no Reino Unido, que disparou o alerta da OMS, foi informado à entidade no dia 7 de maio. O paciente, que viajou do Reino Unido para a Nigéria, desenvolveu uma erupção cutânea no dia 29 de abril e retornou ao Reino Unido em 4 de maio.

Os modelos epidemiológicos da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês) mostram um crescimento da doença entre 3,8% a 6,7% por dia, correspondendo a um tempo de duplicação de 15 dias.

Com o objetivo de compreender o cenário epidemiológico do surto no país, pesquisadores da agência solicitaram que os pacientes preenchessem questionários. Dos casos que apresentaram informações detalhadas, 97% (681 de 699) são de pacientes homossexuais, bissexuais e homens que fazem sexo com homens.

De acordo com a nota técnica divulgada pela UKHSA no dia 8 de julho, as tendências nos principais indicadores epidemiológicos dos questionários de caso são estáveis, indicando que a transmissão permanece dentro do grupo conhecido de HSH de alto risco.

O vírus da varíola dos macacos pode afetar qualquer pessoa, independente de orientação ou prática sexual. Especialistas analisam se a maior identificação entre homossexuais e bissexuais também pode estar associada ao cuidado em saúde ampliado entre esse grupo populacional.

“Os HSH têm um relacionamento melhor com os médicos do que os homens heterossexuais”, diz Lilith Whittles, modeladora de doenças infecciosas do Imperial College, de Londres, em entrevista à Science.

O comportamento pode significar que eles são mais propensos a relatar sintomas de varíola e fazer testes para o vírus.

“Não sei se estamos necessariamente procurando o suficiente nas redes sociais heterossexuais para concluir que esse não é um problema mais amplo”, afirma Boghuma Titanji, virologista da Emory University, que trabalha em uma clínica de saúde sexual, também à Science.

Imagem de microscopia do vírus Monkeypox, que causa a varíola dos macacos / National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID)

Redes conectadas

De acordo com o levantamento da agência britânica, os encontros sexuais desempenham um papel na transmissão da doença. De 152 pessoas no conjunto de dados da UKHSA, 82 foram convidadas para entrevistas adicionais com foco em sua saúde sexual. Entre os 45 participantes, 44% relataram mais de 10 parceiros sexuais nos 3 meses anteriores e 44% relataram sexo grupal durante o período de incubação.

No entanto, a principal forma como o vírus é transmitido nessas situações permanece incerta. Pesquisadores encontraram DNA viral no sêmen de alguns pacientes, mas não têm certeza de que esta seja uma via eficaz para a transmissão, enquanto o contato pele a pele pode ser suficiente.

A pesquisadora do Imperial College Lilith Whittles afirma que as redes sexuais entre HSH não são de natureza diferente das de outros grupos. No entanto, segundo ela, o grupo é mais densamente conectado.

“É perfeitamente possível que essa epidemia se espalhe entre um subconjunto de pessoas apenas porque esse subconjunto está conectado em uma rede de maneira diferente de todos os outros”, disse Keletso Makofane, epidemiologista de redes sociais do Centro FXB de Saúde e Direitos Humanos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos à Science.

Doença não é classificada como IST

A varíola dos macacos é causada por um vírus chamado Monkeypox que pertence ao gênero ortopoxvírus da família Poxviridae.

O vírus é transmitido de uma pessoa para outra por contato próximo com lesões, fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados, como roupas de cama. A doença também pode ser transmitida pelo contato com a pele durante o sexo, incluindo beijos, toques, sexo oral e com penetração com alguém que tenha sintomas.

“Dada à forma como os relacionamentos acontecem hoje, com ligações a partir de aplicativos, a disseminação tem sido grande nesses grupos, mas não está restrita a esses grupos, nem na África e nem nos surtos em outros países. Casos em mulheres e em crianças já foram identificados na Europa”, afirma o professor Expedito José de Albuquerque Luna, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

A OMS afirma que embora o contato físico próximo seja um fator de risco bem conhecido para a transmissão, não está claro neste momento se a varíola dos macacos pode ser transmitida especificamente por meio de vias de transmissão sexual.

Fragmentos do vírus já foram detectados no sêmen de pacientes de países como a Itália e a Alemanha. No entanto, a doença não é classificada pela OMS como uma infecção sexualmente transmissível (IST) até o momento.

“A varíola dos macacos se espalha pela proximidade, face a face, pele a pele, contato direto. É assim que sempre foi descrito. Pode haver algumas coisas novas acontecendo neste surto agora. Não sabemos tudo. Ainda há muito o que aprender”, afirmou a cientista Rosamund Lewis, líder técnica sobre varíola dos macacos do Programa de Emergências da OMS.

Atenção aos sinais e sintomas

O período de incubação é geralmente de 6 a 13 dias, mas pode variar de 5 a 21 dias. Os sintomas incluem bolhas no rosto, mãos, pés, olhos, boca ou genitais, febre, linfonodos inchados, dores de cabeça e musculares e falta de energia.

Como medidas de proteção, a OMS recomenda evitar contato próximo com qualquer pessoa que tenha sintomas.

“É fundamental entendermos que a doença acomete qualquer pessoa. A transmissão é basicamente através de lesões na pele que são altamente infectantes. O contato de pele para pele, não precisa alguém pegar na lesão especificamente, o cumprimento de mãos, por exemplo, pode transmitir”, explica o médico infectologista Antônio Bandeira, da Sociedade Brasileira de Infectologia(SBI).

O médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) recomenda atenção aos sinais da doença e a busca por atendimento médico diante da manifestação dos sintomas.

Lesões na pele semelhantes a espinhas, que evoluem para bolhas são um dos principais sintomas da doença / Kateryna Kon/Science Photo Library/Getty Images

“Começam a aparecer algumas lesões, inicialmente parecem espinhas e depois vai evoluindo para bolhas e crostas. Essas lesões podem aparecer na região genital, como pênis, vagina e ânus, e também em outras áreas como couro cabeludo, braços, pernas, mãos e na face”, afirma Furtado.

Segundo o especialista, as lesões são dolorosas e podem impactar a qualidade de vida dos pacientes.

“Pode começar com febre, dor muscular, e depois aparecimento das lesões, ou o contrário: as lesões aparecem na pele e depois o paciente passa a apresentar febre, dor muscular, fraqueza e dor de cabeça”, explica.

De acordo com a OMS, outras formas de prevenção incluem evitar o contato com a pele, rosto e sexual com qualquer pessoa que tenha sintomas. As mãos, objetos e superfícies que são tocados regularmente devem ser higienizados.

“A transmissão desse vírus se dá pelo contato pele com a pele e também no ambiente domiciliar em contato com objetos, principalmente roupas de cama e roupas de banho. Dessa maneira, qualquer pessoa pode se infectar“, afirma Luna.

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