— Você está disposto a matar?
Essa pergunta foi feita ao brasileiro Lucas Passos Lima na cidade de Beirute, capital do Líbano, durante o seu processo de recrutamento pelo Hezbollah. Lucas, que hoje está em prisão preventiva, é um dos brasileiros escolhidos e treinados pelo grupo terrorista libanês para cometer atentados contra alvos da comunidade judaica no Brasil. A Operação Trapiche, realizada em conjunto pela Procuradoria da República em Minas Gerais e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco MPF-MG), acaba de denunciar um plano e uma série de atos preparatórios para atentados terroristas contra judeus em território nacional. O BSM obteve acesso ao conteúdo das investigações.
Desde 2016, Mohamad Khir Abdulmajid, também conhecido por Habibi, sírio naturalizado brasileiro, vem arregimentando mercenários para atuação no grupo terrorista Hezbollah. Mohamad tem a função de recrutar brasileiros, preferencialmente com envolvimento prévio em crimes, para perpetrar atos de terrorismo contra alvos judeus. Conversas em áudio obtidas com autorização da Justiça demonstram que Mohamad procurou várias pessoas que já tivessem antecedentes criminais e histórico de violência (ele usa as expressões “gente de vida louca”, “que deve à Justiça”, “que já foi preso”).
Conforme atestam diversas provas materiais obtidas pelos investigadores, Mohamad recrutou Lucas Passos Lima, que viajou para o Líbano duas vezes em 2023 com a finalidade de receber treinamento para a prática de terrorismo. O valor das viagens era totalmente incompatível com a renda de Lucas, mas tudo foi financiado por intermédio de Mohamad. No dia 29 de março de 2023, Lucas enviou vários áudios a Mohamad referindo-se à primeira viagem para o Líbano:
“Beleza então, amigo, amanhã eu falo contigo, tá? Tô com o passaporte aqui, e aí ele vai me mandar com quatro diárias, né (…)”
“O cara já está me esperando para gerar a passagem lá, valeu, aí daqui a pouco a hora que eu chegar no Paranoá já entro em contato contigo e gerando lá te mando o valor certinho e tudo bonitinho. Valeu, é nóis.”
Lucas e Mohamad também trocaram mensagens em 3 de abril de 2023, um dia antes da ida do brasileiro para o Líbano, onde ele permaneceu seis dias. Nessas mensagens, Mohamad orienta Lucas a esperar na sala do hotel em Beirute com uma sacola de mão, a fim de que pudesse ser identificado pelo membro do Hezbollah com quem faria contato. Na segunda viagem para o Líbano, Lucas embarcou em um voo da Turkish Airlines em 29 de outubro de 2023 e retornou em 7 de novembro, sendo preso ao desembarcar no Brasil. Somados os custos de passagens e estadia, as duas viagens de Lucas ao Oriente Médio teriam custado pelo menos R$ 20 mil.
Quando voltou de sua primeira viagem, Lucas fez vários contatos com um interlocutor identificado como amigo Tony, em que reitera a sua disposição em cumprir as tarefas que lhe foram repassadas pelo grupo terrorista.
“Me dê a missão.”
“Vai ser cumprido o que mandar… sem recuar.”
“Missão dada é missão cumprida.”
Conforme dados obtidos no celular de Lucas, ele pesquisou, buscou referências de localização e registrou com vídeos e fotos de locais frequentados pela comunidade judaica no Distrito Federal, como as sinagogas de Taguatinga e Águas Claras e área judaica no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília. Lucas também fez pesquisas na internet sobre o líder religioso Leonardo Rojtenberg, a Embaixada de Israel no Brasil, as sinagogas de Brasília e Itumbiara (GO) e a Comunidade Israelita Netzarim, de Goiás.
As investigações também revelaram conversas de Lucas com um interlocutor identificado como André Luiz, em abril de 2023, sobre um projeto que ambos denominaram Gustave. Com a ajuda de André Luiz, um especialista em informática, Lucas pretendia desenvolver um software para ocultamento de arquivos sobre Israel e a Faixa de Gaza, a realização de treinamentos com armas de fogo e a pesquisa e aquisição de equipamentos não rastreáveis de rádio e vigilância.
Em setembro de 2023, Lucas conversou pelo WhatsApp com Dilson Cortepasse Peres Oliveira, ex-piloto e intermediário na compra e venda de aviões. O objetivo de Lucas era obter informações sobre rotas de saída do Brasil sem controle migratório. Numa parte da conversa, Lucas deixa evidentes as suas opiniões sobre o povo judeu:
“Fica tranquilo quem mata quem estupra quem tortura e israelita safado judeus…”
Mohamad Khir Abdulmajid, apontado como recrutador de Lucas e outros brasileiros pelo Hezbollah, possui claras vinculações ao grupo terrorista. Em 2016, ele viajou com seu irmão Hussain Abdulmajid para o Irã. Posteriormente, ele lutou na guerra civil da Síria, em apoio ao ditador Bashar al-Assad. O registro de sua passagem pela Síria foi feito pelo próprio Mohamad em suas redes sociais. No celular de Mohamad foram encontradas imagens que o mostram em uniforme militar e posando ao lado de uma bandeira com o símbolo do Hezbollah, do líder do grupo terrorista, Hassan Nasrallah, do presidente da Síria e do líder espiritual iraniano Aiatolá Ali Khamenei.
A Procuradoria da República em Minas Gerais denunciou Mohamad por: a) promover, integrar e prestar auxílio, pessoalmente e por intermédio de outras pessoas, a uma organização terrorista caracterizada por um grupo de um ou mais indivíduos que cometem atos deliberados de violência e ameaça de violência, por motivações de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, em especial dirigidos contra pessoas identificadas como judeus ou cidadãos israelenses, comprometendo a segurança de indivíduos e propriedades, a paz e a incolumidade públicas; e b) realizar atos preparatórios com o inequívoco propósito de perpetrar atos de terrorismo, incluindo o recrutamento, mediante a organização, o transporte e o fornecimento de recursos a brasileiros residentes no Brasil para que viajassem ao Líbano, a fim de receberem treinamento e promoverem a prática de terrorismo contra a comunidade judaica no Brasil.
Com prisão preventiva decretada, Mohamad encontra-se em lugar incerto e não sabido — provavelmente fora do Brasil.